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 ARQUITETURA DO JOGO

  Em seu célebre ensaio sobre a ideia de jogo: “Homo Ludens”, o historiador holandes Johan Huizinga (1872-1945), afirma que toda a sorte de conceitos desenvolvida ao longo da História humana é passível de ser negada: desde a beleza até a ideia de Deus, mas a existência do “jogo” não. Ela seria um fato insofismável. 

 

  A concretude da existência do jogo não passa ao largo da História da Arte, em especial a brasileira e latino-americana. O artista uruguaio Joaquín Torres-García, já nos anos 1920, realizava alguns brinquedos em madeira, compostos de formas geométricas simples que originavam pessoas e animais, passíveis de serem desmontados e recombinados como bem quisesse aquele que interagisse com as peças. Décadas depois, foi Lygia Clark quem trouxe o espectador para manipular seus bichos metálicos e pensar posições e configurações, desde que respeitada a arquitetura do “ser”. A ideia de se incluir o observador como “parte” desse sistema da arte é, ela própria, também uma espécie de jogo, na qual este deve agir de determinada forma e pensar possibilidades de atuação dentro de um dado número de regras. 

 

  Essa ideia acima explicada: de possibilidades de atuação dentro de um dado conjunto de regras, é a essência do trabalho de Lucas Quintas. Contudo, questões como o sistema da arte não entram em seu radar, ao menos não diretamente. Sua matéria prima são elementos a princípio ordinários, mas de importância seminal em nossa existência: madeiras, pregos, linhas, fios, cordas…a lista é longa. São peças que erguem, sustentam, amarram, enfim, que dão corpo, que mantêm em pé, que tornam possível a existência das coisas tal como são. Como não poderia deixar de ser, o artista em questão atua na tridimensionalidade. Sua atuação, todavia, não é a de um escultor. Quintas não transforma a matéria, mas sim a recombina, junta, estrutura. Nesse sentido, age como um arquiteto. Não no sentido cotidiano da palavra, mas na sua essência: o que é a arquitetura senão uma estruturação e combinação de formas? 

 

  O absoluto respeito à natureza das peças que lhe servem de matéria prima é evidente e notável. O aspecto “puro” das mesmas, ou seja, sem alteração prévia, é fundamental para o bom andamento da obra. Ao ter diante de si toda essa gama de materiais, Quintas, quase como um obsessivo, pensa e busca pôr em prática todas as possíveis combinações que as mesmas podem ter. Como num jogo, no qual, a depender de uma série de fatores, podem surgir os mais diversos resultados. O artista aqui busca obter o máximo de resultados possíveis, mas, por ser apenas um, nem sempre alcança isso sozinho. Frequentemente se vale da Matemática, e mais especificamente do campo da Análise combinatória, para prever o número possível de configurações que suas estruturas podem vir a criar. Daí em diante, conta com um bom plantel de aliados: o público, que em alguns trabalhos é convidado a interagir e criar combinações possíveis, o entorno da obra, que, por fatores ambientais como uma determinada fonte de luz, pode criar jogos de sombra interessantes, e, obviamente, o próprio artista, que permanece assim em sua incansável busca. 

 

  Como em qualquer jogo, a possibilidade de resultados e placares é sempre muito variada, quando não totalmente aberta ao infinito. Nesse sentido, a busca de Quintas, como tal, persistirá de forma obstinada, ora se trocando um determinado material, ora se pensando um novo ambiente, ora se trazendo a campo um novo aliado. O que se vê na presente exposição são alguns resultados que o mesmo obteve até o momento, embora, para ficar no exemplo lúdico, o placar permaneça aberto. A pureza de seus materiais e a simplicidade de suas configurações, longe de emanar precariedade, nos mostra da forma mais essencial como se arquiteta um jogo. Ou como o jogo arquiteta tudo. E, ao evidenciar isso, reforça o argumento de Huizinga citado no início do texto: a impossibilidade de se negar o jogo. 

 

                                                                                                                                                                                                                                     Theo Monteiro

Texto e Curadoria: Theo Monteiro

Local: Espaço 8 Cultural

Data: 30/07 - 28/08/2023

Produção: Fernanda Lago

Acessória: CWEA Comunicação

Fotos: Bruno Leão

Apoio: Becks Beer

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